Na época em que estava atuando no Tribunal, na Capital, ao término da sessão, dirigi-me ao hotel para pegar material, pois iria proferir aula na Escola Superior da Magistratura. Por cautela, sempre trazia algum dinheiro trocado no bolso da frente, deixando a carteira no bolso de trás das calças. Assim exibia apenas alguns trocados ao precisar pagar alguma coisa. Naquela ocasião eu trazia pouco dinheiro. Por isso retirei da carteira e deixei no bolso, para pagar taxi e lanches.
Após sair do Tribunal cheguei numa lancheria e fiz um lanche. Ao pagar, folheei o maço de dinheiro para facilitar o troco no caixa. Saí da lancheria, atravessei a rua e cheguei ao hotel. De posse do material, andei toda a Rua dos Andradas. Ao chegar à escola dos juízes, que ficava defronte à Praça da Alfândega, um rapaz abordou-me perguntando as horas. Sempre caminho muito rápido e, sem parar, fiz menção de levantar o braço, dizendo, sem olhar, que eram 21h, pois sabia que a aula iniciaria em cinco minutos.
Naquele momento senti uma mão entrar no meu bolso direito. A carteira estava no bolso traseiro direito e o talão de cheques no esquerdo. O assaltante certamente havia me seguido por mais de um quilômetro para saber em qual o bolso eu trazia o dinheiro. Ninguém sabe sua reação numa situação assim. Eu virei-me rapidamente, acertando o cotovelo no rosto do assaltante. Este saiu correndo, atravessando a Praça da Alfândega comigo em seu encalço e gritando “pega” … “Pega”. Enquanto corria, procurava localizar algum policial, que quase sempre estavam por ali, mas não vi nenhum.
Notei que uma pessoa estava correndo junto comigo para ajudar a apanhar o assaltante. Em determinado momento notei que estava se chegando muito próximo de mim. Saí para o lado e parei. Ele continuou correndo atrás do ladrão e fiquei na esperança que o alcançasse. De repente me dei conta que o perseguidor era o comparsa, que havia me perguntado as horas.
Os dois sumiram numa viela atrás dos Correios. Olhei para trás e vi algumas pessoas caminhando, outras sentadas, namorando, completamente alheias ao incidente. Imagine a manchete do jornal no dia seguinte: “Desembargador é morto ao perseguir assaltante na Praça da Alfândega”.
Dirigi-me à Escola de Juízes, onde encontrei um colega, e pedi-lhe dinheiro para pagar um taxi no retorno ao hotel. No dia seguinte, ao devolver-lhe o empréstimo, este comentou que ficara impressionado com a tranquilidade que eu parecera demonstrar, tanto que ministrara a aula normalmente.
Isso explica minha reação quando fui “assaltado” pelo prefeito, o que, por questão de espaço, vou contar na próxima edição.