Histórias de Juiz – Carta de habilitação de carroceiro

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Moacir Haeser - Desembargador aposentado

Um dos prazeres da minha infância era acompanhar meu avô para a roça. O caminho dava muitas voltas pelo meio do mato de camboim onde nasceram alguns pés de araçás. Só comíamos os pontudos que eram mais doces. Os redondos só em último caso. Vovô deixava que conduzisse a parelha de cavalos. Sentia-me muito orgulhoso ao dirigir a carroça, embora os cavalos soubessem de cor o caminho por onde passavam todos os dias. No caminho, além dos araçás, havia pixirica branca e pixirica preta, pitangas, amora silvestre e um pé de pitinga. A lavoura ficava à beira do rio e nos intervalos aproveitava-se para tomar um banho ou pescar.
Mesmo pequenos ajudávamos a fazer pasto, quebrar milho, recolher abóboras e arrancar feijão. Uma fina cana-de-açúcar, mastigada com casca e tudo, mitigava a sede. Nunca imaginei que, ao conduzir a carroça, estivesse praticando uma infração. Pois o Sr. Bruno Heuser, primo do deputado Siegfried Heuser, por muitos anos administrador do Hospital Candelária, então jovem morador de Faxinal de Dentro, ao dirigir-se a Santa Cruz do Sul para fazer compras, foi barrado na altura dos “americanos” com a solicitação de sua Habilitação para conduzir a carroça. Não a tinha e foi multado pela fiscalização. Cumpridor das leis, tratou de obter a “habilitação para conduzir veículos de tração animal”, cuja cópia me foi repassada por seu filho, o advogado Egon Heuser.
Foi expedida pelo Delegado de Polícia de Santa Cruz do Sul em 28 de maio de 1942.
E não era só o condutor que precisava estar habilitado. A carroça também precisava estar devidamente emplacada. Meu tio Aloísio, que era cunhado do Ministro Nestor Jost, tinha uma ferraria em Candelária, onde hoje é a agência do Banrisul. As carpintarias faziam a parte de madeira e ele completava com as ferragens.
As carroças saíam flamantes com seu verde característico. Além do emplacamento, os proprietários das carroças precisavam pagar um imposto anual pela propriedade de veículos de tração animal. Segundo noticiou o Jornal Gazeta do Sul da época, em 07 de março de 1950 o governando Walter Jobim assinou a lei que dispensou esse pagamento anual, mantendo a obrigação de emplacamento de carroça nova.
Aliás, eu lembro que a bicicleta que minha irmã Iva comprou com o primeiro salário de professora, com a qual toda a família aprendeu a andar, foi devidamente emplacada, pois essa exigência também valia para as bicicletas. Os governos sempre precisavam arrecadar e até um simples recibo não tinha valor, se você não colocasse a data e assinasse em cima dos selos, que deveriam ser adquiridos e inutilizados segundo o valor do recibo. Da mesma forma eram pagos os impostos, com a colagem de selos e estampilhas nas guias de recolhimento. As carroças foram substituídas pelos carros, mas continuamos necessitando renovar periodicamente a carta de habilitação e pagando aos governos o emplacamento e o imposto anual sobre o veículo.
Nada mudou.

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