São 3:50 da manhã. Preciso enviar o texto para o jornal até às 7:00 e não tenho ideia sobre o que escrever. Meu ponto de partida vem de muitos lugares, pode vir de um vídeo, uma música, um texto, uma discussão, uma polêmica, um acontecimento ou até um devaneio. Mas hoje, nada. Creio que não seja pela falta de assunto, mas pelo excesso de temas possíveis.
Na era da informação, as opiniões são tantas que confundem, desinformam. Em tempo de pós verdade, a verdade é aquilo que cabe dentro do que cada um acredita. Antes, a verdade dava a cara a tapa e, se alguém, com evidências concretas e argumentos factuais provasse que uma informação era verdadeira, aquilo passava a ser considerado uma verdade. Até que outra pessoa, com novas evidências concretas e argumentos razoáveis, comprovasse que a informação antiga já era ultrapassada.
Hoje, no entanto, qualquer pessoa com um celular na mão, vende suas verdades como “a verdade”. E as pessoas, que ouvem, com os ouvidos ou com os olhos, acreditam naquelas verdades que melhor se encaixam nas suas crenças pessoais. Teorias conspiratórias sempre existiram, porque o ser humano é um ser desconfiado, que desconfia, especialmente, da sua própria espécie.
Mas, com o excesso de informação que chega pelo celular, pela TV, pelo rádio e pelos jornais, nosso filtro que distingue realidade de ficção, começou a filtrar com mais dificuldade. Em tempos de pós verdade faz-se da ficção e realidade se misturam perigosamente. Toda realidade, fora do contexto biológico, é criação de narrativa, portanto, ficção.
A vida, no entanto, é de base biológica. Organismos vivos e sem cérebro, não criam narrativas, apenas vivem. Assim é para os fungos, vírus, bactérias, protozoários. Eles não querem saber o que pensamos deles, mas precisam de nós para sobreviver. Eles não pensam, mas são muito eficientes na sua lida.
E nós, seres potencialmente pensantes, poderíamos minimizar os danos produzidos por esses bichinhos, se usássemos a razão para compreender a realidade. Mas, por termos desaprendido a dialogar e compreender a realidade como o aqui e agora real, facilitamos a vida para eles.
Nossos filtros estão entupidos de opiniões que desinformam. Para passar um bom café é preciso antes limpar o filtro. E, se não acertarmos a medida de pó, o sabor do café poderá ser desagradável. Colocar muito pó de café suave para fazer um café forte, produzirá um sabor amargo e desagradável.
Na vida, assim como na cafeteira, também precisamos limpar o filtro e acertar a torra e o tipo de grão. A enxurrada de opiniões estapafúrdias e controversas que recebemos todos os dias, tem deixado nossas vidas mais amargas, de um amargo que desvitaliza e diminui a potência do viver.