Plantar memórias

Texto publicado na edição de sexta-feira 14 de agosto de 2020 do Jornal de Candelária

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Crianças são curiosas, e as menores tem muita dificuldade de compreender aquilo que não lhes é concreto. Os adultos também. Perguntas como: existe vida depois da morte? Para onde vamos depois que morremos?, desacomodam crianças e adultos. Parece que os seres humanos precisam saber sobre a morte para escolher como viver.

Essas perguntas podem ser discutidas com outra pessoa, ou ficar quietinhas, dentro do peito. Mas, nos habitam de alguma forma. Numa enquete feita em rede social esta semana, quase 60% dos que responderam, disseram que depois da morte não existe nada. Eu discordo. Penso que depois da morte, existe a memória.

Quando alguém que amamos morre, construímos alguma narrativa para sustentar sua partida. Uma narrativa pode ser a de que não existe nada depois da morte, ou que ela foi para o céu, para o paraíso, que irá reencarnar, que virou uma estrelinha. Todas estas, e tantas outras, são narrativas construídas por nós, seres fabuladores. Criamos narrativas para sustentar nossa própria existência depois de uma perda. Alguns mergulham na tristeza da ausência, outros na alegria das lembranças do tempo vivido.

Embora o luto tenha suas fases, não há protocolo para viver essa experiência. Cada um vive suas perdas de modos muito distintos. Não mergulhar na tristeza é uma escolha possível, quando perdemos algo ou alguém. As memórias do tempo vivido junto, dos momentos partilhados, podem ser reconfortantes. Por isso, é preciso saber viver cada momento, cada dia, porque não sabemos o dia de amanhã, não sabemos quando vamos virar lembrança.

Mas, uma coisa é certa, quanto mais compartilharmos o nosso tempo, as nossas experiências, mais memórias afetivas produziremos e mais lembranças deixaremos. E, quanto mais lembranças boas tivermos, mais fácil será, para quem fica, criar narrativas, ainda que ficcionais, que sustentem o viver e o morrer.

Neste tempo de distanciamento social, precisamos inventar novas formas de partilhar afetos e produzir memórias. Seja através de telefonemas, cartas, vídeo chamadas, lives, vale tudo para estar junto com os amigos e com a família. Um dia isso tudo passa, e precisaremos elaborar as perdas e seguir em frente. Mas, não será possível recuperar o tempo perdido. Então, não perca tempo, viva a vida como pode ser vivida neste momento, se cuidando e cuidando dos seus, mas plantando sementinhas para fazer florescer lembranças ali na frente.

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