Isso não é sobre você

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Quem, ao ouvir uma música e identificar-se com ela, já não sentiu a sensação de que o compositor havia escrito a letra sabendo pelo que você estava passando, conhecia seus sentimentos e seu modo de pensar a vida?  Isso é muito comum, um bom compositor, assim como um bom escritor, consegue traduzir a vida em suas canções e em seus textos, sejam eles crônicas, contos, romances ou poemas.

Escrever é um modo de traduzir a vida, seja a vida real, a vida sonhada, os acontecimentos que desejamos e também aqueles que não queremos que aconteçam, mas que precisam ser pensados e elaborados para que possamos viver melhor. Por isso, é comum que nos identifiquemos com algumas canções, textos ou poemas, de tal modo que tenhamos a sensação de que quem os escreveu nos conhece profundamente.

É comum também que quando alguém escreve algo que vai de encontro ao nosso modo de pensar, nos sintamos afrontados pela sua escrita. Nas redes sociais, muitos tomam uma escrita genérica como afronta pessoal.  Como se a pessoa que escreveu estivesse mirando em você para fazê-lo, sendo que muitas vezes a pessoa nem lhe conhece pessoal ou mesmo virtualmente.

Frequentemente alguém comenta sobre algum texto ou comentário que escrevi, por vezes se sentindo acolhido por ele, outras vezes atirando pedras. Sim, porque quando sentem-se afrontadas as pessoas agem com a emoção e dificilmente conseguem dialogar e argumentar racionalmente e, como crianças muito pequenas, mordem em vez de dialogar. Quem está do lado de cá do texto pensa: – Mas não foi isso que eu escrevi, não foi sobre isso, nem sobre essa pessoa. Mas a pessoa do lado de lá, que se sente atingida, sente-se tão incomodada, que dela emergem emoções pueris, que impedem uma mínima possibilidade de diálogo.

Quem escreve, assim como quem compõe, o faz, a partir de questões que idealiza, reflete, sonha, que pensa. O faz a partir do seu viver e de seu modo de se colocar no mundo. Tanto a narrativa que acolhe nosso modo de sentir e pensar, quanto a que nos afronta, não foram escritas para nós, mas nos tocam de alguma forma quando estamos abertos a elas. As narrativas podem ajudar a melhor elaborar nossas questões, ainda que indiretamente, ainda que por meio de metáforas, mas para isso precisamos estar disponíveis, desejosos. Quando um texto lhe causa empatia, ele pode não ser sobre você, mas pode ser para você.

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