Histórias de um Juiz – Perdão Judicial

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Tive a oportunidade de jurisdicionar duas comarcas na belíssima região do Alto Taquari na década de 1970. Primeiro uma comarca menor onde – acostumado ao ritmo de trabalho de comarcas pesadas – logo julguei todos os processos possíveis, sobrando tempo para cuidar da horta e das galinhas.O cartório funcionava tão bem que os inventários ingressavam de manhã e ficavam prontos à tarde. Como dizia aquele apresentador: “Até parece mentira!”.
A outra comarca era bem maior, abrangia dois municípios e tinha uma área buscando a emancipação. Era grande o volume de trabalho, com muitas audiências. Certa ocasião ingressa na sala uma jovem, loura, muito chamativa, elegantemente vestida, que é encaminhada pelo secretário ao lugar dos réus.
Examinando os autos verifiquei que se tratava de crime de lesão culposa em acidente de trânsito.
A prova esclarecia que Brigite – nome como era conhecida a acusada em suas atividades profissionais – havia atendido um cliente que acabou adormecendo. Sem possuir habilitação e sem nunca ter dirigido, ela convidou uma colega para uma volta de carro. Por imperícia capotou o veículo, causando lesões na amiga, e ela própria resultando ferida no rosto.
O caso seria de evidente condenação.
A acusada chamava a atenção por seu longos cabelos louros e seu rosto chamativo, tanto que merecera o nome profissional de Brigite, então famosa atriz francesa.
Uma longa cicatriz, atravessada em seu rosto, resultado do acidente, chamava a atenção. Brigite, que dependia de sua aparência pessoal na lide profissional, possivelmente fosse referida não mais como a musa de cinema.
Que pena maior poderia aplicar a uma jovem, marcada tão profundamente pelas consequências de seu ato impensado? Condenar à prisão quem já se sentia aprisionada a uma marca indelével no próprio rosto?
A musa Brigite era agora a loira da cicatriz!
Mereceria ela o perdão, conduta reiteradamente mencionada na Bíblia e reiterada por Jesus ao oferecer a outra face?
O perdão judicial é o instituto jurídico pelo qual o juiz, mesmo considerando que há elementos para condenar o acusado, não o faz, porquanto já foi atingido de tal forma pelas consequências do fato que a imposição de pena torna-se desnecessária.
Era o caso da musa, tão gravemente atingida em sua beleza, como o do pai ou da mãe que, ao manobrar o veículo, acaba atingindo o próprio filho…
O instituto acabou consagrado no Código Penal tanto para lesões culposas, como para homicídio culposo, sendo uma faculdade do juiz não aplicar a pena face às circunstâncias excepcionais do fato.
A controvérsia entre os doutrinadores – se teria natureza condenatória, porquanto exige a prática de um crime e um juízo reprovação – foi superada na forma do art. 107, IX, do Código Penal e Súmula nº 18/STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.”
O tema é atual porquanto muito repetido por algumas autoridades e pela mídia tradicional que um ministro do STF recentemente concedeu “perdão judicial” a alguns condenados pelo “petrolão”. Revistas de grande circulação, jornais renomados e noticiosos na mídia afirmam que o ministro concedeu perdão aos acusados.
Trata-se de evidente equívoco e desinformação atribuível a leigos que não fizeram a necessária distinção entre PERDÃO JUDICIAL e INDULTO.
A GRAÇA e o INDULTO são concedidos por decreto presidencial. A GRAÇA é individual e o INDULTO é coletivo.
O indulto é uma medida de política criminal, tradicionalmente concedido no Brasil pelo Presidente da República por ocasião do Natal, com redução ou extinção da pena, a presos que cumpriram parte das penas, com bom comportamento.
No indulto o juiz não concede perdão. Apenas verifica se aquele réu preenche os requisitos para enquadrar-se no benefício.
Assim, tal como Brigite, talvez a primeira beneficiada pelo princípio, neste o caso o ministro também merece o perdão.

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