Histórias de Juiz – Você não deveria estar preso

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Moacir Haeser - Desembargador aposentado

A autorização de saída dos presos, sem data certa, a critério do administrador, deixava a situação fora de controle. Fracionavam os dias, saíam, voltavam… Se o beneficiado praticava outros crimes durante essa saída, não era procurado pela polícia, que acreditava que estivesse recolhido, cumprindo pena.

Quando assumi temporariamente os dois juizados passei a estabelecer a data de saída e de retorno, enviando cópia para a Polícia Civil e para a Brigada Militar. Assim, sabiam exatamente quem havia saído do presídio no caso de algum crime.

Numa evacuação por ameaça de bomba, o que ocorria praticamente quase toda semana, durante a revista pelo esquadrão antibombas, uma alta autoridade policial comentou comigo que estava surpreso com a queda da criminalidade nos últimos meses e informei-o sobre a providência simples que havia tomado, trancando a porta giratória.

A Vara de Execuções Criminais da Capital (VEC) não tinha escrivão há muito tempo e cada funcionário tentava levar seu setor como podia. Estranhei que não havia informações sobre os presos e quando terminariam suas penas. Também havia dificuldades de obter outras informações e, como os processos ficavam em outro prédio distante, demorava para se ter acesso ao processo.

Constatei que um réu havia terminado a pena e continuava preso, o que era inadmissível.

Conversei com um colega de outra comarca o qual me disse que recebia mensalmente os informes. Fiquei de plantão no final do mês para tentar acesso aos tais mapas que me diziam que não existiam. Por fim soube por um dos funcionários que havia vindo um envelope grande e havia sido levado pelo filho de um funcionário para venda como papel para reciclagem.

No mês seguinte proibi de receber e abrir qualquer envelope, que deveria ser entregue a mim. Só assim verifiquei que vinha um relatório com todos os nomes e as datas de conclusão da pena, bem como dos que não haviam se apresentado, como deveriam, inclusive despachos semi-impressos.

Quando vi uma série de nomes com a data expirada, comuniquei ao Corregedor Geral e pedi a imediata designação de um escrivão. Chamei o Superintendente da SUSEPE e pedi um grupo de funcionários para, juntos, fazermos uma varredura nos presídios.

Após alguns dias concluíram que havia 800 presos que não deveriam estar presos!

Foram encontradas as mais diversas situações. Havia preso do interior que estava há quatro anos com prisão preventiva e não havia sido julgado. Liguei para o Juiz substituto da comarca e pedi que verificasse o processo e, ou proferisse a sentença ou libertasse o acusado.

Aos poucos fomos sanando os problemas, um a um e, felizmente, muitos era apenas erro de informação, pois havia mais de uma condenação. Sem dúvida a regularização de tais situações trazia tranquilidade aos presídios, fazendo cessar os motins.

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