Histórias de Juiz – Paranoia

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Moacir Haeser - Desembargador aposentado

Eu realizava as audiências da manhã quando fui avisado que havia um cidadão aguardando para falar comigo. Pedi que o informassem que o atenderia ainda antes do almoço, assim que terminasse de inquirir as testemunhas presentes. Por falta de sala de audiências eu as realizava no meu próprio gabinete.

Assim que terminei, pedi que fizessem o cidadão entrar. Ingressou um homem relativamente jovem, vestido de forma simples e sóbria, e assentou-se. Perguntei-lhe qual o assunto que gostaria de tratar comigo.

Este contou-me sobre uma série de problemas que vinha enfrentando. Iniciou por uma promessa de uma valiosa doação e que não havia sido cumprida. Tentei obter maiores detalhes para, se fosse o caso, dar-lhe alguma orientação sobre o melhor caminho que deveria seguir.

Aos poucos fui extraindo de sua narrativa que, numa visita de um determinado governador, por alguma razão que não compreendi bem, recebera a promessa de uma ajuda financeira de alto valor e que não havia sido paga. Pensei logo em algum precatório estatal pendente de pagamento e tentei saber se havia proposto alguma ação judicial, se sofrera algum acidente, ou algo que justificasse essa expectativa de ganho monetário.

Aos poucos fui constatando que sua narrativa não tinha muito nexo e fui incentivando para que se abrisse mais para ver em que poderia ajudá-lo na minha posição de juiz.

Contou-me ele que morava na periferia da cidade em um casebre simples de madeira e que ultimamente vinha sofrendo muitas perseguições. Questionei-o quem o estaria perseguindo, logo imaginando algum vizinho ou, quem sabe, a força policial, pois na época eram comuns as queixas ao juiz por alguma arbitrariedade policial.

Pasmem que a perseguição era feita pelos taxistas da cidade! Não um, mas todos.

Tentei saber mais detalhes como se processava essa perseguição e, de forma confusa, contou-me que onde ia dava de cara com um taxista que o estava seguindo. Procurei saber a causa e a forma como ocorria essa perseguição e de suas respostas conclui que estava lidando com uma pessoa com sérios problemas.

E não eram só os taxistas!

Sua vida estava sendo infernizada pelos radialistas. Não podia mais ligar o rádio que era só futebol. Não aguentava mais a gritaria de gol e as conversas sempre iguais. Sua vida estava um inferno e ele era a vítima a quem dirigiam aquelas perseguições.

Havia mais problemas ainda.

Os motores dos aviões têm algo que extrai a força vital das pessoas. Quando passava um avião ele sentia que estava sugando toda sua força vital. Recomendou-me que evitasse a masturbação pois havia uma bruxa que extraia toda sua força vital.

Já passando do meio dia, não conseguia encerrar o assunto, até que fiz a bobagem de assegurar-lhe que dali em diante estaria sob a proteção do juiz. Exigiu-me que lhe desse por escrito que estaria por mim garantido e a solução foi dar-lhe um atestado de comparecimento, que se fornece para testemunhas justificarem a falta ao trabalho.

Passados alguns meses, quem eu vejo me esperando terminar as audiências? Meu protegido. Contei o fato ao advogado Zé, que atuava na audiência, e ele foi atendê-lo, voltando com a informação de que o atestado estava perdendo a força e precisava revalidá-lo. Zé era muito prestativo e foi ao cartório onde colocou vários carimbos revalidando a força do “salvo conduto”.

Meses depois fui removido para outra comarca, com muito mais trabalho e, após algum tempo, já esquecido do meu protegido, estava realizando audiências quando o vislumbrei no corredor que dá acesso à sala de audiências.

Após aguardar pacientemente eu terminar para poder atendê-lo, vinha novamente buscar a força da proteção judicial. Perguntei-lhe onde estava morando e ele continuava no mesmo endereço. Assegurou-me que recomeçaram as perseguições. Ponderei-lhe que agora eu exercia jurisdição em outra comarca e que não poderia mais atendê-lo. Insistiu que mesmo que morasse na outra cidade queria uma garantia especial e continuar sob minha jurisdição, o que lhe expliquei que era impossível pois agora a jurisdição era de outro juiz…

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