Histórias de Juiz – A difícil arte de julgar

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Moacir Haeser - Desembargador aposentado

Não é fácil a tarefa de julgar, como não é fácil exercer qualquer função que lide com insolúveis problemas de desigualdade social.
O juiz vê, todos os dias, acumular-se em sua mesa uma avalanche de processos, que cresce assustadoramente, e se angustia com sua impotência em resolver todos os problemas que lhe são trazidos.
Pouca gente sabe que grande parte dos processos são consequência de planos econômicos ou outras medidas governamentais que afetam direitos das pessoas.
A Justiça poderia ser mais célere e ágil, porém se vê presa a formulismos, muitas vezes inúteis. Às vezes a predominância da forma sobre a essência faz tardar a justiça e justiça tardia é uma injustiça.
O processo deve ser tão simples que prescinda de tantos compêndios e manuais que o expliquem. Não deve ser um fim em si mesmo, mas mero instrumento de realização da justiça. Não deve transformar-se em jogo de astúcia e sagacidade porque deve vencer a causa quem tem o melhor direito, não quem tem o melhor advogado.
A tarefa do julgador não é fácil. A responsabilidade de julgar é pessoal e intransferível. Seu dever não é apenas de julgar, mas de julgar bem. Não pode omitir-se com a preocupação da imparcialidade porque a lei lhe impõe a obrigação de buscar as provas para formar seu convencimento, estejam onde estiverem. O juiz deve ser parcial em favor da verdade e da justiça.
Em cada sentença segue um pedaço do coração do juiz. Cumpre a pena com o réu condenado até o último dos dias; reparte a miséria, muitas vezes, em uma ação de separação e sua sangue ao destinar a alguém uma criança que todos querem ou a uma instituição outra que ninguém quer…
Em cada julgamento, no entanto, a certeza do dever cumprido. A convicção de que naquele momento essa a decisão mais acertada e que aquele processo, naquele instante, era o mais importante de todos os que tramitam no Foro.
Muitas madrugadas mal dormidas e angústias na busca da melhor solução porque sabe todo o Juiz que não há apenas uma decisão possível em cada processo. É utópica a visão maniqueísta de distinção absoluta dos conceitos do certo e do errado, do justo e do injusto. Na ciência social as coisas não se apresentam com essa clareza e distinção. Muitas vezes a solução mais adequada num determinado momento histórico nem seja aquela que, à primeira vista, pareça ser a de maior embasamento teórico-jurídico.
A riqueza dos fatos sociais estão sempre a desafiar o julgador. Muitas e muitas vezes as respostas não estão expressas na lei, pois o direito a precede e a informa. Seguidamente a Jurisprudência avança à frente da lei como instrumento de reforma sócio-jurídica. A lei é apenas mais um instrumento com o qual o artífice do direito constrói a obra da justiça.
O juiz exerce a sagrada e sublime função de julgar e nessas horas é um homem só… incompreendido, muitas vezes colocado sob suspeita, mas consciente de que, qualquer que seja sua decisão, é a que acredita que, no caso, naquele momento, é a que melhor representa o ideal de justiça da sociedade a que se dirige.
A justiça, como obra dos homens, pode não ser perfeita, mas porque a sociedade é cheia de desigualdades e imperfeições. Busca-a o juiz, com o auxilio das partes, dos advogados, de todos aqueles que atuam na cena judiciária. A indignação com a injustiça me fez trilhar a longa carreira da magistratura. Mantenho-a hoje, como advogado, consciente da necessidade de buscar, através da melhor atuação jurídica, a justiça concreta e eficaz para quem, por pequena que seja sua queixa, é para ela, naquela momento, a maior e mais importante causa do mundo.

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