Sábado, 08 de novembro de 2013. Após um dia intenso de visitas a belos locais da capital gaúcha como o Centro Histórico e a Livraria Cultura, os estudantes da disciplina de Filosofia, então ministrada pela professora Rosana Candeloro no segundo semestre do Curso da Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) retornaram ao município. A jornada havia sido muito quente. Tal clima propiciou a forte chuva que caía na hora da chegada. Quase um dilúvio.
Eram mais de 23 horas quando o micro-ônibus fez a sua última parada, no Posto Tapuia, centro de Santa Cruz. Após ter desembarcado do veículo, fiquei, por alguns instantes, sem saber para onde ir. Não tinha um lugar para passar a noite naquele momento, tampouco havia me programado quanto a isso. Então, a reação imediata foi para a carteira. Os pingos violentos da precipitação atingiam aquelas notas maltratadas de diferentes valores. Mesmo sem saber se a quantia seria suficiente para um pernoite, decidi atravessar a rua em direção ao hotel da esquina, sendo que inicialmente nem sabia de qual se tratava.
Ao me aproximar do local e focar os olhos nos dizeres “Charrua Hotel” (ou Hotel Charrua, não me recordo a ordem exata) na porta, fiquei apavorado. Afinal de contas, o ambiente é chique. Logo, dei mais uma olhada na carteira. Respirei fundo e adentrei ao espaço que exalava requinte e sofisticação, até nas plantas. Os seguranças e o recepcionista me olharam da cabeça aos pés, atônitos, e visivelmente desconfiados.
A princípio, tal atitude me pareceu muito antipática. Em seguida, no entanto, reparei que não estava tão apresentável por causa da hora, chuva e umas latas de Brahma que havia consumido dentro do ônibus. Ainda assim, me dirigi ao balcão e questionei o valor da diária. A mais barata era cento e oitenta golpes, quer dizer, reais. Tão logo me recuperei do “baque”, entreguei o dinheiro ao recepcionista, que, sem qualquer cerimônia, conferiu a autenticidade das notas. Somente após uns minutos de análise, recebi o cartão magnético do apartamento. Sim, não era chave! Que luxo, rapaz! Nunca tinha visto aquilo, hehe…
Assim, em tom irônico, desejei uma boa noite aos funcionários e subi as escadas em direção ao quarto. Ok, tinha elevador, mas preferi o caminho mais difícil. Ao chegar no aposento, prevaleceu a inexperiência com o tipo de tecnologia utilizada. Afinal de contas, demorei cinco minutos para conseguir passar o cartão corretamente na porta. Feito isso, entrei no “palacete”. Para minha surpresa, era de casal. Mas não importava. Estava muito satisfeito. Por uma madrugada, experimentaria o doce sabor da liberdade e de certo luxo. Então, tratei de aproveitar o momento.
Ao fechar a porta, passei o olhar por cada detalhe daquele quarto branco, com móveis em mdf e cortinas de seda da mesma cor. Passado o momento de contemplação, joguei minha mala em um canto e comecei a pular na confortável cama-box, feito uma criança. Parei ao ouvir um barulho suspeito no móvel. Mais calmo, liguei o grandioso televisor conectado à operadora Net. Um jogo da Uefa Champions League estava sendo reprisado. Resolvi assisti-lo. Durante a partida, abri o frigobar, movido por uma incontrolável curiosidade.
O eletrodoméstico estava bem abastecido. Mas não permaneceu assim. Até porque, comecei a consumir as bebidas e os petiscos. Consequentemente, a conta ficou um pouco mais salgada do que os deliciosos amendoins de embalagem verde. Encerrada a sessão de comes e bebes, repousei por alguns minutos e me dirigi ao toalete.
Com a pia feita de mármore cinza, paredes revestidas com azulejos cuidadosamente selecionados e um box verde esmeralda, o banheiro também se destacava. O perfume de flores no ar era envolvente. Dessa forma, a hora do banho ficou ainda mais extremamente agradável.
O relógio se aproximava das duas horas quando deixei o cômodo de banho. Em um ato impensado, fruto do êxtase que tomava conta de mim, sintonizei em um canal de shows, aumentei o volume e dancei no reduzido espaço, estendendo as mãos para a minha companheira, a alegria. Ao perceber que o barulho estava se tornando um grande inimigo da tranquilidade que reinava no prédio, desliguei. Menos de dois minutos depois, alguém bateu na porta. Atendi. Era o simpático recepcionista. Temi uma grande bronca pelo princípio de baderna. E assim aconteceu. Levei uma senhora chamada de atenção do funcionário, com advertência e tudo mais, mas felizmente não passou disso. Tinha compreendido o recado.
A seguir, optei por me recolher. Afinal, minha cota de agito e emoção para aquela madrugada já havia ultrapassado o limite. Dormi por curtas, mas muito bem aproveitadas cinco horas. Pela manhã, antes das 08 horas, já estava de pé. Arrumei as coisas e abri as cortinas para observar, mesmo que por alguns instantes, o fraco movimento de carros e pedestres e o belo dia que se iniciava. Despedi-me do quarto e desci para tomar um reforçado café da manhã. Tão logo encerrei o desjejum — e que desjejum, meus amigos — fechei a conta e dei um abraço na atendente. Essa não entendeu bulhufas. Recordei a curta e aloprada estadia no local e ingressei na calçada, deixando para trás as dependências sofisticadas.
Para minha sorte, naquele domingo de manhã o único táxi disponível no ponto mais próximo estava livre. O destino era a rodoviária. Cheguei em cima da hora. Lá, comprei a passagem para Cachoeira do Sul e às nove horas parti de volta ao mundo real, marcado pelo trânsito no caminho da penitência, digo RS-403, entre Rio Pardo e a “Capital Nacional do Arroz’. Mesmo com essa adversidade, uma incrível sensação de alegria persistiu, assim como a garantia da presença dessa aventura na galeria das memórias célebres desse jornalista.
Até a semana que vem, pessoal!