A comarca era muito tranquila e há muitos anos não acontecia um júri na cidade. Foi surpresa quando recebi da autoridade policial um inquérito sobre um fato misterioso ocorrido em Barra do Fão. Junto com Pouso Novo, Travesseiro, Marques de Souza, Coqueiro Baixo e Nova Brescia, hoje municípios, Barra do Fão também pertencia à comarca de Arroio do Meio. A descida da serra em Pouso novo era o local onde aconteciam mais acidentes na BR-386.
Aqueles poucos quilômetros davam bastante trabalho pois integravam minha jurisdição. Como o fazia sempre, li o inquérito e o encaminhei ao Ministério Público para que oferecesse a denúncia ou requisitasse diligências. Dias depois encontrei o Promotor no corredor e ele me disse que iria pedir o arquivamento do inquérito. Respondi-lhe que dificilmente o aceitaria face às circunstâncias do caso. Ele respondeu-me que entendia que ocorrera suicídio. Um menino havia encontrado à margem da estrada, no meio da mata, um esqueleto, sem o crânio. As roupas estavam no chão, ao lado do esqueleto. Em um tronco estavam amarrados dois laços de cipós, formando duas alças.
A mim pareceu, pela posição dos ossos, com as roupas ao lado, que a pessoa esteve com as mãos amarradas no tronco. A polícia localizou o crânio que havia rolado por uma ribanceira até um córrego. As roupas encontradas era femininas.
Nos cabelos, junto às roupas, estava amarrada uma fita vermelha. Esse detalhe, e mais a circunstância da mulher usar dois chinelos, tipo havaianas, de pé esquerdo, levou a polícia a identificar o corpo. Na investigação surgiram testemunhas, inclusive uma ex-namorada do suspeito, que viram ele seguir pela estrada na mesma direção da vítima quando do desparecimento.
O interrogatório na polícia era contraditório. No termo constava que o suspeito negava o crime, porém, a certa altura constou ter confessado. Constou do relatório policial que a inquirição foi interrompida para o lanche quando o réu confessou, voltando a negar o crime quando reiniciado. Com o pedido de arquivamento do Promotor, determinei ao Delegado que reinquirisse o suspeito, mas o inquérito foi devolvido com ratificação das declarações.
Passei muitas noites olhando para aqueles fotos macabras e perguntando para a vítima:
O que te aconteceu? – Por fim indeferi o pedido de arquivamento e encaminhei o inquérito ao Procurador Geral. Este designou outro promotor para fazer a denúncia. Iniciado o processo, interrogado o réu, manteve a negativa de autoria. As testemunhas, no entanto, reafirmaram em juízo que o réu havia sido visto acompanhando a vítima pela estrada na última vez em que foi vista com vida. Pronunciei o réu e determinei sua submissão ao Tribunal do Júri para que o povo decidisse, atuando na acusação o Promotor da comarca vizinha. O julgamento foi assistido pelo primeiro promotor que, posteriormente, enfrentou sérios problemas de ordem pessoal. Ainda convencido da possibilidade de suicídio, após a condenação pelo Júri, procurou o réu no presidio instando-o a recorrer.
Interessante, mas o réu se recusou a recorrer, aceitando a pena imposta na condenação pelo Júri como homicídio simples.