A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu recentemente, por maioria de seis votos a três, que o aborto não é um direito constitucional das mulheres no país. A atual composição do Tribunal anulou decisão de 1973, também por maioria, que havia concedido proteção constitucional ao procedimento de aborto, até 28 semanas, baseado no direito à privacidade. A decisão atribuiu aos Estados a palavra final sobre a matéria. Estima-se que vinte e dois Estados Americanos irão banir o aborto. A decisão concluiu que não há previsão legal que autorize o aborto e que a decisão de 1973 fundamentava-se numa interpretação, inexistente disposição constitucional que a proteja.
No Brasil tivemos recentemente um caso em Santa Catarina em que o hospital recusou-se a proceder ao aborto de um feto de 22 semanas em uma menina de 10 anos que alegava estupro. Relação sexual abaixo de 14 anos é presumido estupro. Notícias que vazaram dão conta que o agente seria um menino de 13 anos. A alegação é de que orientação do Ministério da Saúde limitava a prática até 20 semanas de gestação. A Portaria MS/GM n° 1.508/2005, do Ministério da Saúde, orienta o procedimento dos médicos e hospitais sobre a forma de agir e as precauções a tomar.
O vazamento de vídeo da audiência causou furor na mídia. Nela a juíza ouve a mãe e a menor sobre o fato e as orientam sobre os riscos do procedimento e sugerem a manutenção da gravidez por mais um período e o encaminhamento do bebê para adoção.
A discussão sobre o direito à vida do feto e o direito da mulher sobre seu corpo é antiga e interminável. Defende-se que a mulher não é obrigada a manter uma gravidez que não deseja, principalmente se decorre de uma relação não consentida ou o feto apresenta anomalias que tornem inviável a vida ou impeça uma vida normal. Por outro lado, nossa legislação prevê a proteção à vida desde a concepção.
No Brasil não há previsão constitucional do aborto. Já o Código Penal, em seu art. 124, prevê o aborto como crime. Nas exceções previstas no art. 128 o mesmo Código diz que não se pune o aborto, praticado por médico, para salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro. Note-se que o legislador usa a expressão NÃO SE PUNE e não que NÃO HÁ CRIME como o faz no caso de ato praticado em legitima defesa, estado de necessidade ou estrito cumprimento do dever legal. Tratam-se, portanto, de causas de exclusão da punibilidade e não da ilicitude. No máximo uma causa especial de exclusão.
Não se faz necessária autorização judicial, uma vez que a própria lei autoriza o médico a fazer o aborto. Quando atuava como Juiz nunca tive um caso desses e, confesso, teria grande dificuldade em decidir. É fato que o Brasil é um Estado laico e que ocorriam milhares de abortos, sendo processados e julgados pelo Tribunal do Júri raros casos. A questão não é só religiosa, mas também legal. O direito do feto à vida e o direito individual da mãe.
Quando estudante da Faculdade de Direito fizemos uma visita ao Instituto de Criminalística da Capital em todos os seus setores. Coleção de fetos perfeitos, de todos os tamanhos, conservados em vidro com formol, alguns com as cabeças furadas e outros com as nádegas despedaçadas, no entanto, causou um impacto profundo e inesquecível a todos os estudantes.
E se não há viabilidade da vida?
Não há previsão constitucional, nem legal, que autorize outros casos de aborto. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, decidiu em 2012, ampliar essa permissividade também aos casos de anencefalia, através de uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 54.
A decisão viola o dogma do legislador negativo, segundo o qual o Judiciário pode apenas excluir do sistema jurídico normas incompatíveis com a Constituição. Nela o STF atuou como legislador positivo, isso é, criou norma inexistente com forçada interpretação, usurpando a competência do Legislador.
Segundo o Min. Luís Roberto Barroso, em entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo (08/04/2012) “a vida na democracia é feita pelo processo político majoritário, que se desenrola no Congresso, e pela proteção e promoção dos direitos fundamentais via Constituição e Supremo Tribunal Federal. Quando o processo majoritário está azeitado, fluindo bem, com grande legitimidade, a jurisdição constitucional recua. E quando o processo político majoritário emperra ou enfrenta dificuldades para votar determinadas matérias, o STF tem seu papel ampliado.” Pois é, e a usurpação da competência não parou por ai…