Meu avô paterno era pedreiro e minha avó era parteira. Saía pelo interior à cavalo fazendo partos. Os avós maternos eram agricultores, mas meu avô cultivava o hábito da leitura. Lia o jornal e livros em alemão. O hábito da leitura foi transmitido aos filhos, irmãos de minha mãe. Lembro que, após o almoço no sítio, todos sentavam com seu livro à sombra dos cinamomos.Os tios assinavam e possuíam grande coleção de Revista Seleções do Reader’s Digest. Em dias de chuva, nosso passatempo era folhear as revistas e olhar as figuras. Cada um escolhia um lado da revista e ficava com os objetos que aparecessem.
Eu acompanhava meu irmão mais velho à escola e me alfabetizei antes dele. Acabei rebaixado do segundo ano porque era muito pequeno e dali seguimos juntos.
Quando aprendemos a ler descobrimos que as revistas tinham piadas no rodapé dos artigos. Dali passamos a ler, além das revistas em quadrinhos, a seção Fragrantes da Vida Real, a Seção de Livros e escolher artigos de temas variados, conforme o interesse de cada um. Meu irmão gostava de mexer nas coisas, lia matéria dessa área e acabou Engenheiro de Voo do Jumbo da Varig. Eu não tinha essa habilidade e fiquei na área das humanas.
Uma seção que eu costumava ler era “Seja Você o Juiz”. Nela eram apresentados casos difíceis e a solução que lhes deu o Juiz americano. Como meu pai era Oficial de Justiça, na hora do chimarrão ficava sabendo das questões que tramitavam em juízo, os pedidos dos advogados, o parecer do Promotor de Justiça e a decisão do Juiz. Embora meu pai tivesse ido só até o terceiro livro, como se dizia antigamente, costumava consultar o Código antes de fazer um serviço mais complicado. A linguagem jurídica para mim soava familiar e infernizava com minhas perguntas o professor de “Direito Usual” no curso de contabilidade, juiz da Comarca, que me doou, ainda no segundo grau, a primeira coleção de Comentários ao Código Civil. Assim, fui naturalmente para a faculdade de direito e, logo que me formei, fiz o concurso para juiz, pois não era exigido tempo de advocacia. Tal como meus tios e irmãos, sempre mantive o hábito da leitura e procurei transmitir isso aos filhos. Ao alcance deles sempre deixava revistas e livros variados em diversos lugares da casa. Nos banheiros era sagrado deixar algumas revistas e livros pois quando não se tinha nada para ler, até almanaque de farmácia tinha saída. O dia da semana mais feliz para meu filho mais novo, hoje médico radiologista, era o dia de acesso à biblioteca da escola. Podia retirar cinco livros que começava a devorar já no trajeto para casa. Na hora de dormir lia para ele livros mais volumosos. De vez em quando, para ver se ele estava prestando atenção, eu inventava um pouco a história e ele me reclamava que aquilo não estava escrito. Vendo que ele acompanhava a leitura, comecei a alegar cansaço e lia uma página, pedindo que ele lesse a seguinte. Com o hábito da leitura e um vasto vocabulário, passou a gostar de escrever e, interessante, o fazia habitualmente na forma de diálogos. Antes dos dez anos forneceu um artigo sobre o natal a um escritório de advocacia para distribuição aos clientes. Nas viagens, para passar o tempo, fazíamos versos rimados que o outro devia completar. Tal como meu irmão mais novo, depois Comandante de Boeing, que escreveu uma redação com o título “O Convescote”, o que obrigou as professoras do Grupo Escolar a ir ao dicionário, adorava usar palavras difíceis. Entrando na água do riacho na terra do avô disse que estava gélida… Deu um pulo de alegria dizendo que sempre quis usar aquela palavra. A mesma alegria que, ao começar a chorar após uma queda e machucar o joelho, feliz disse que sempre quis ter uma cicatriz. Ao ver um peixe na água sumir diante de seus olhos disse que se “teletransportou”. Já um grupo de patinhos correndo, um a um, do esconderijo para a água, disse que parecia replay. Felizmente, apesar do bombardeio de informações através dos meios eletrônicos, todos mantêm o hábito da leitura, transmitida através das gerações desde nossos avós, fundamental para o desenvolvimento da linguagem, da inteligência e da cultura.
Esse é um vício que vale a pena recomendar.
Moacir Leopoldo Haeser – mlhaeser@gmail.com