A apuração dos votos
Antigamente os candidatos distribuíam cédulas com seu nome e partido para que os eleitores colocassem no envelope e depositassem na urna. Também era colocadas nas cabines de votação para uso dos eleitores. Fraudes de troca de cédulas por candidatos e cabos eleitorais eram comuns. Também era comum que um partidário retirasse as cédulas dos demais candidatos, ao entrar na cabine de votação, onde estavam disponíveis.
A apuração e a contagem era feita manualmente e pela metade do dia o salão do clube, normalmente requisitado pelo Juiz, era um mar de envelopes espalhados pelo chão. Se uma cédula, ou “chapa” como era conhecida no interior, caísse ali, seria difícil achá-la.
Depois surgiu a “cédula única” que democratizou o processo de votação. O eleitor desvinculou-se do cabo eleitoral e passou ele próprio a escrever na cédula o número, nome ou partido de seu candidato. Na cabine indevassável era livre para votar em quem quisesse. Havia espaço para assinalar o nome dos candidatos da eleição majoritária e os candidatos a deputado deveriam ter seu nome ou número escritos pelo eleitor no local próprio.
Só quem trabalhou em apuração sabe o que tudo pode surgir. Decifrar nomes e números escritos por pessoas idosas ou quase analfabetas é tarefa difícil. Só o prenome podia identificar ou não o candidato, se não houvesse outro do mesmo ou de outro partido, o que anularia o voto. Era comum escrever o número do deputado em qualquer lugar da cédula, às vezes dentro do quadrilátero do governador, ou inverter o local da cédula do deputado estadual com o federal.
Eu adotava a orientação de aproveitar os votos o máximo possível. Se o número estava ilegível, mas era possível identificar os dois primeiros algarismos, lançava o voto para a legenda do partido. Se o número do candidato foi lançado na cédula pelo eleitor, independente do lugar onde estivesse, considerava o voto válido e anotava para o candidato. Da mesma forma se os locais estivesse invertidos. Se havia dois Antonio no partido e em nenhum outro, contava o voto para a legenda desse partido. Se o número estivesse lançado no quadrilátero do governador ou senador, contava o voto para o deputado e para esse governador pois indicativo da vontade do eleitor.
A incoincidência do partido, do nome e do número do candidato, na época prevalecia o primeiro, nessa ordem, o que gerava muita reclamação. Numa eleição na Capital um candidato a deputado era o mais votado numa Zona Eleitoral e acabou não sendo eleito. Indignado via os votos com seu nome sendo contados para a legenda de outro partido. Fazia duzentos votos em uma urna e eram reduzidos para cinquenta. Soube-se que aquele partido havia feito uma campanha sórdida, apoiando o eleitor que já tinha o candidato de sua preferência, mas pedia que desse um “forcinha” para o partido, pois não lhe custaria nada. Assim o eleitor desavisado lançava o nome de seu candidato e a sigla desse outro partido.
Como não consegues controlar tudo, cabia aos fiscais de partido trazer para a Junta Eleitoral seus recursos. Não havia necessidade de discutir, mas apenas dizer “impugno” a decisão de validar ou anular. Trazia muita insegurança ao Juiz ver um escrutinador reclamar de cada voto dado a candidato “de fora da cidade”.
A contagem dos votos para cada cargo era feita manualmente. Por mais que se cuidasse não era difícil que alguém de má-fé colocasse o montinho de um sob o do outro candidato ao “cantar“ o número de votos para o secretário lançar no boletim. Também poderia ocorrer erro. Em uma comarca me relataram que uma candidata a vereadora não tinha sido eleita porque o Secretário errou a linha ao lançar os seis votos de uma das secções no boletim e o juiz recusou-se a reabrir a urna. Pois nessa mesma comarca, ao ser informado pelo Secretário Geral, da incongruência do boletim de urna, que não “fechava a soma”, reuni a Junta, chamei todos os delegados de partido e o Promotor Eleitoral e reabri a urna, corrigindo e expedindo novo boletim.
Na primeira eleição após a redemocratização, a Lei nº 7.015/82 determinou que os eleitores deveriam votar em candidatos do mesmo partido para todos os cargos, sob pena de nulidade do voto. Doía na alma do escrutinador verificar claramente todos os votos para os cargos em disputa (governador, senador, deputados federal e estadual, prefeito e vereador) e ter que anular todos os votos porque no último o eleitor quis prestigiar seu vizinho, candidato a vereador, mas de outro partido. E ainda havia o artificio da sublegenda, em que três candidatos fracos somavam seus votos para derrotar o preferido do eleitorado.