Uma pesquisa inédita (tanto pela amplitude e quanto pelo tema) realizada entre 2014 e 2017 pelo Ministério da Saúde em parceria com a Repórter Brasil, a Agência Pública e a Public Eye — mas tornada pública somente no início dessa semana — revelou um preocupante cenário para moradores de todo o Brasil. Denominado “Mapa da Toxicidade da Água”, o estudo aponta a presença de resíduos de agrotóxicos no líquido que chega às nossas torneiras diariamente.
No período mencionado, foram encontrados 27 tipos de agrotóxicos na água de uma a quatro cidades brasileiras. No caso do Rio Grande do Sul, 14 municípios registraram esse índice alarmante. O mais próximo daqui é Vera Cruz. Segundo o Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), a taxa de contaminação verificado nos testes ultrapassa os 90%. Mais de 1.300 municípios de todos os estados, incluindo as duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, passaram pela avaliação. Ao menos, 11 são pesticidas associados ao desenvolvimento de doenças crônicas, má formação fetal e disfunções hormonais e reprodutivas.
Panorama assustador
É possível dizer que os resultados de Candelária são, no mínimo, perturbadores. O levantamento afirma que houve a detecção de 12 agrotóxicos na água do município durante a época de análise. Deles, quatro possuem relação direta com o surgimento de doenças crônicas como câncer, defeitos congênitos (anomalias que ocorrem antes do bebê nascer) e distúrbios endócrinos. São eles: Carbendazim, DDT, Diuron e Mancozebe.
Os demais agrotóxicos encontrados foram o Aldicarbe, Carbofurano, Clorpifirós, Metamifodós,Parationa Metílica, Profenofós, Tebuconazol e Terbufós. Um importante detalhe é que cinco são proibidos no Brasil, embora o veto na comercialização da maior parte dos produtos tenha sido determinado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante o período da pesquisa.
A maior parte das substâncias é autorizada no país, mas condenada na União Europeia. Nenhum agrotóxico estava acima dos limites estipulados pela legislação brasileira. Todas as informações são de domínio público e podem ser acessadas por meio do endereço https://portrasdoalimento.info/agrotoxico-na-agua/.

Agrotóxicos proibidos no país e que estariam presentes na água
- Aldicarbe: extremamente tóxico, conhecido popularmente como Chumbinho. O contato com o produto pode levar a morte.
- Carbofurano: é considerado altamente perigoso. Está presente em inseticidas e em produtos utilizados para eliminar ácaros, cupins e outros insetos. Quando vetou o uso do produto em 2017, a Anvisa explicou que o uso regular de Carbofurano é capaz de deixar resíduos na água, resistentes até mesmo ao tratamento. Sendo assim, é classificado como um risco agudo à população brasileira”, pois age diretamente no sistema nervoso e pode causar a morte de neurônios.
- DDT: O inseticida foi também classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como “provável cancerígeno” para humanos. Um Estudos realizados pela entidade encontraram associações positivas entre a exposição ao DDT e o aparecimento de cânceres nos testículos e no fígado. Houve também fortes evidências experimentais de que o agrotóxico pode afetar os sistemas imunológico e reprodutor.
- Metamifodós: Fortemente na cultura do Tabaco, é proibido no Brasil pois o contato com o produto está associado ao desenvolvimento de hemorragias internas.
- Parationa Metílica: Suspenso desde 2016. É visto como uma ameaça porque causa sérios danos ao sistema reprodutor, distúrbios hormonais e é mutagênico, ou seja, capaz de alterar a molécula de DNA do ser humano e impedir a reparação. Caso isso aconteça, as alterações podem ser transmitidas para as gerações seguintes.
Embora “autorizados”, os demais citados neste texto apresentam riscos semelhantes. As informações podem ser acessadas no Mapa da Toxicidade da Água.
Datas dos testes e falhas
Todos os produtos mencionados no quadro da página anterior possuem uma característica em comum. A utilização deles é amplamente rechaçada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), justamente pelo potencial danoso à nossa saúde. A reportagem do JC conferiu também as datas nas quais teriam sido realizados os testes e a quantidade no rio Pardo. No ano de 2014, foram dois dias de análises, em 22 de abril e 13 de outubro, nas quais os responsáveis pelo estudo coletaram 14 e 13 amostras. No ano seguinte, as datas escolhidas foram 13 de abril e 26 de outubro. Em ambas, o número de coletas foi igual: 14.
Em 2016, as visitas às àguas do rio Pardo ocorreram nos mesmos períodos, mas em três oportunidades. Ao todo, foram 30 amostras coletadas naquele ano. Na temporada derradeira de testes, os pesquisadores estiveram apenas uma vez em Candelária, no dia 24 de abril de 2017. Nessa vinda, a água foi colocada em 26 recipientes.
Todavia, constatamos duas falhas nesse quesito. A primeira é a inexistência,pelo menos até a publicação deste texto, de informações a respeito dos locais em que foram feitas as coletas das amostras no município. Mais vísivel, o segundo equívoco se concentra na ausência de detalhes a respeito dos laboratórios ou outras instituições que examinaram os materiais ao longo dos anos.
Órgãos rebatem os dados da pesquisa
Diante dos questionamentos surgidos em relação aos agrotóxicos, a Corsan rapidamente divulgou uma nota em seu site oficial. No documento, a estatal informa aos gaúchos moradores dos 317 municípios atendidos que todos os procedimentos em relação ao tratamento da água estão de acordo com a legislação brasileira, a partir da potabilidade da água para os sistemas de abastecimento.
Além disso, o órgão garante que são monitorados outros 46 tipos de agrotóxicos em atendimento à legislação estadual (Portaria 320/2014 da Secretaria da Saúde.
A Corsan ressaltou ainda que os dados utilizados na pesquisa apresentada foram retirados do Sisagua (Sistema de Abastecimento de Informação de Vigilância de Qualidade da Água para Consumo Humano) e referem-se a amostras de água bruta (ainda não tratada).
Informou também que sempre quando é detectado algum agrotóxico na água bruta, é realizada a análise da água tratada correspondente. A empresa garante que não há histórico da presença dos agentes mencionados pela pesquisa após o tratamento.
Finalmente, a companhia explica que solicitou ao Ministério da Saúde informações mais claras sobre os valores disponibilizados com relação à presença de agrotóxicos na água usada para consumo humano. A Corsan classificou como “equivocada” a cobertura da imprensa em relação ao assunto, bem como a maneira como foi feita a divulgação pelos responsáveis do estudo.
Outras versões
A princípio, a informação do Ministério da Saúde parece óbvia, pois há a citação de que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública e acarreta em uma série de efeitos nocivos ao indivíduo.” A contradição é evidente a partir do momento no qual o órgão cita que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. Mas como isso é possível se o Brasil não tem um limite fixado para regular a mistura de substâncias? Ainda assim, o MS reconhece que se faz necessária uma regulação mais rígida dos agrotóxicos, as mudanças, porém passam fundamentalmente por uma revisão geral dos procedimentos.
O Vigiagua informa que desenvolve ações para assegurar a qualidade dos sistemas e soluções alternativas de abastecimento de água. Seu campo de atuação inclui todas e quaisquer formas de abastecimento de água para consumo humano, coletivas ou individuais, na área urbana ou rural, de gestão pública ou privada. Entre os procedimentos estão a avaliação dos relatórios de controle da qualidade da água e o monitoramento sistemático, bem como a inspeção das estações de tratamento.
Especialista questiona
Após ter acesso à íntegra da resposta da Corsan, a reportagem do JC consultou novamente o estudo. Um trecho específico nos chamou a atenção. Ao confrontarmos as versões, é possível perceber uma informação importante.As explicações da estatal gaúcha são questionadas pelo engenheiro de produção e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Leonardo Melgarejo. Ele afirma que são poucos os tratamentos disponíveis para tirar o agrotóxico da água e não há um filtro capaz de eliminar totalmente os resíduos após a contaminação. Ou seja, a exposição aos riscos persistiria.