
A Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) que apura irregularidades no convênio firmado entre a prefeitura de Candelária e Associação Pró-Desenvolvimento da Cidadania de Candelária (Adeccan), entre 2004 a 2015, teve sua primeira decisão judicial. Em sentença divulgada no último dia 15 de dezembro, o juiz federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, da 1ª Vara Federal de Santa Cruz do Sul, condenou os ex-prefeitos Lauro Mainardi, Paulo Butzge e os ex-presidentes da Adeccan, Aristides Feistler e Hardi Richard por improbidade administrativa. A decisão judicial ocorreu em primeira instância, cabendo recurso aos réus em segunda instância, junto ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre.
Também citado como réu, o ex-prefeito Elcy Simões de Oliveira (já falecido) teve prescrição para aplicação das sanções de improbidade e o espólio não foi condenado por não ser possível quantificar o dano ao erário. Já a Adeccan também foi condenada, sendo proibida de realizar convênio com o poder público pelo prazo de oito anos.
Após analisar o processo, o magistrado federal citou que os réus Paulo Butzge, Lauro Mainardi e o espólio de Elcy Simões de Oliveira foram citados e não apresentaram contestação, decretando a revelia aos réus. O juiz federal julgou parcialmente procedente o pedido do MPF e condenou Aristides Feistler e Hardi Richard, que foram presidentes da Adeccan, a realizarem o ressarcimento do dano ao erário, cada um no valor de R$ 68.797,43 (sessenta e oito mil setecentos e noventa e sete reais e quarenta e três centavos).
Feistler teve prescrição para outras sanções de improbidade administrativas. Já Richard foi condenado a pagar uma multa civil no mesmo valor do dano ao erário, além de ter os direitos políticos suspensos e estar proibido de contratar convênio com o poder público, sendo ambas as sanções pelo prazo de três anos.
Sanções pesadas para ex-prefeitos
Em sentença, o juiz federal também condenou, em primeira instância, os ex-prefeitos Lauro Mainardi e Paulo Butzge pela prática de atos por improbidade administrativa.
Pela sentença, o ex-prefeito Lauro Mainardi terá que realizar o ressarcimento integral do dano no valor de R$ 701.920,59 (setecentos e um mil novecentos e vinte reais e cinquenta e nove centavos) e pagar multa civil no mesmo valor do dano ao erário. O magistrado também determinou a suspensão dos direitos políticos e a proibição ao ex-prefeito de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, ambos pelo prazo de cinco anos. Na decisão, o juiz federal também deferiu o pedido de liberação dos demais bens de Mainardi após constatar que um imóvel em nome do ex-prefeito é suficiente para garantir o ressarcimento do dano ao erário.
O ex-prefeito Paulo Butzge foi condenado a realizar o ressarcimento integral do dano no valor de R$ 1.208.448,44 (um milhão, duzentos e oito mil quatrocentos e quarenta e oito reais e quarenta e quatro centavos) e pagar multa civil no mesmo valor do dano ao erário. Butzge também teve a suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar ou receber benefícios do poder público, com ambas as sanções pelo prazo de seis anos.
O juiz federal determinou que os valores deverão ser atualizados monetariamente pela variação do IPCA-e e acrescidos de juros moratórios pela taxa aplicável à caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, desde a data da apuração do dano pelo TCE/RS, em 27 de março de 2015. Os valores que vierem a ser ressarcidos pelos réus deverão ser divididos entre a União e o Município de Candelária mediante apuração em liquidação de sentença, visto que há recursos federais envolvidos no caso. Há também previsão de penhora pela Justiça do Trabalho para ressarcir ex-funcionários da Adeccan que ajuizaram ações trabalhistas que seguem tramitando na justiça.
O que dizem as defesas e os réus
Defesa Aristides Feistler e Hardi Richardt – O advogado Roger Jacobi, que atua na defesa dos réus Aristides Feistler e Hardi Richard, informou que ao tomar ciência da referida sentença, já está analisando os recursos cabíveis. Jacobi destaca, que se tratando de um processo desta complexidade, há possibilidade de vários recursos serem manejados por todas as partes envolvidas, o que deixa indeterminado o tempo de duração total do processo e por conseguinte quando haverá uma decisão judicial definitiva.
Defesa Lauro Mainardi e Paulo Butzge – O advogado Fabiano Barreto, que defende os ex-prefeitos Lauro Mainardi e Paulo Butzge no caso, informou que a sentença é nula e que deverá ser decretada pelo próprio juiz em sede de Embargos de Declaração ou pelo TRF4 em sede de Apelação. Barreto destaca que não houve justificativa sobre o motivo do magistrado ter julgado de forma antecipadamente o feito, sem instrução probatória alguma, o que segundo o advogado, viola a ampla defesa e o contraditório. Barreto também cita que a nova Lei 14230/21 exige prova do dolo e do prejuízo, o que não ocorreu e não foi justificado, salientando que o dano foi presumido pelo valor dos Convênios e que a nova Lei veda a condenação genérica como a feita pela Sentença no que tange às acusações do artigo 11 (violação de princípios). O advogado chamou a atenção pelo fato da sentença ter constado à revelia, confirmando que não houve abertura de prazo para contestação de nenhum dos corréus, salientando que foi aberto prazo para contestação somente para a corré Adeccan e que a lei 14/230/21 proíbe a aplicação da revelia em ações de improbidade. O advogado finaliza dizendo estar tranquilo quanto a nulidade da sentença e que irá realizar os embargos de declaração com protocolo após o recesso.
Lauro Mainardi – O ex-prefeito Lauro Mainardi também se manifestou e destacou que os seus advogados estão trabalhando no caso. Frisa que a Adeccan foi criada no governo anterior ao seu e salientou estar com a consciência tranquila de que todos os recursos públicos, seja municipal, estadual ou federal, foram aplicados de forma justa e correta em benefício da população de Candelária durante o seu governo, entre 2005 a 2012. “Temos certeza que a decisão tomada pela justiça será derrubada por não estar correta. Estou tranquilo e acredito que vamos conseguir reverter em segunda instância”, frisou Mainardi.
Paulo Butzge – O ex-prefeito Paulo Butzge, relata que em seu mandato, de 2013 a 2020, o contrato estava vigente e apenas formalizou aditivos de prazo, mantendo a sua vigência até meados de 2015. “Nada de novo foi feito. Houve diversas auditorias do TCE-RS, sem nunca apontar irregularidades, o que por aí só me induziu a achar que estava tudo correto. Ainda assim, com a nova modalidade de contratação que surgia na época, o processo seletivo, entendi por bem em rescindir o contrato com a ADECCAN, o que foi feito”, destaca. O ex-prefeito salienta que na sua visão, a sentença proferida é nula por não respeitar os passos e procedimentos processuais exigíveis a espécie. Ele destaca que a sua defesa encaminhará recurso ao próprio juízo e para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que é a segunda instância.
Fique por dentro
>> A Associação Pró-Desenvolvimento da Cidadania de Candelária (ADECCAN) foi uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), entidade privada que prestava serviços para o setor público e que entre os anos de 2004 e 2015 terceirizou a mão de obra para a prefeitura com a contratação de funcionários pela entidade para atuar nas áreas da Saúde e Assistência Social em órgãos públicos do município. O Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS) apontou irregularidades nos convênios realizados entre a entidade e o município ao constatar problemas na licitação pública, ausência de concurso público e dano ao erário, caracterizando atos de improbidade administrativa.
>> Com o encerramento do convênio entre prefeitura e Adeccan, em 2015, um total de 88 funcionários acabaram sendo demitidos. Como a entidade não tinha dinheiro para quitar as multas rescisórias, a maioria dos funcionários ingressou com ações trabalhistas que seguem tramitando na Justiça do Trabalho. No total, 71 ações trabalhistas foram ajuizadas e juntas, representam um montante de R$ 3, 8 milhões em indenizações a serem pagas aos funcionários.