Casal vive a saudade da terra que foi lar

MARCAS DA ENCHENTE | Vítimas da enchente de 2024, Nestor e Cira Roehrs vivem, hoje, na cidade, após uma vida inteira como agricultores na Vila Passa Sete

0
Aposentados dividem a casa temporária com um dos filhos e com o irmão de Cira, porém o aluguel é caro Foto: Douglas Roehrs / JC

Sentado ao lado do fogão a lenha, usado tanto para fazer o almoço quanto para se aquecer numa manhã de friozinho que é prenúncio do inverno, o casal Nestor Roehrs, 75 anos, aposentado, e Cira Roehrs, 80, aposentada, lembra a história que fez com que os dois chegassem onde estão hoje.

Eles são dois entre tantas vítimas da enchente de 2024. À época, viviam na Vila Passa Sete, próximos ao antigo salão da Cooperativa — local atualmente em ruínas, mas que já foi palco de muitas festas, casamentos, poloneses, tantas danças e alegria.

Essa vida pulsante ficou no passado, infelizmente — e Nestor e Cira lamentam que a propriedade que mantiveram por décadas tenha sido a tal ponto destruída pelas águas que esteja irreconhecível, um lar para o qual não podem mais voltar, mesmo que tenham vontade. “Lá era uma tranquilidade para nós. Era uma vida muito boa”, relembra Nestor, que afirma que o casal gostava de mexer na terra e continuavam plantando mesmo aposentados.

TRÊS ENCHENTES

Quem decidiu se mudar da Linha Travessão para a Vila Passa Sete, em 1959, foi Leovino e Blondina Roehrs, que levaram consigo os três filhos, sendo Nestor o mais jovem do grupo. Nesse mesmo ano da mudança, a família enfrentou uma grande enchente e perderam tudo. Blondina, frente à intempérie, queria ir embora, mas o marido disse que gostaria de ficar porque acreditava que não daria outra enchente tão grande de novo.

Nesse pedacinho de chão tão bonito, Nestor e Cira criaram três filhos: Márcia, hoje com 51 anos, Andréia e André, que são gêmeos e já têm 42 anos — se a memória dos pais não falha.

Plantavam fumo, depois plantaram pepino algum tempo, voltaram ao cultivo do fumo, mas pegaram a enchente de 2010 e se endividaram após perderem galpão, lavoura e casa, ou seja, novamente tudo. “Eu só chorava”, fala Cira, que não morava no local quando ocorreu a enchente de 1959.

O casal passou por várias enchentes, mas apenas três foram destrutivas, as demais chegaram apenas embaixo da casa.

A MAIOR ENCHENTE

Em 2024, Nestor e Cira estavam em casa, dentro da água. Ambos não queriam ir embora e deixar para trás tudo que construíram com tanto empenho. Entretanto, os bombeiros chegaram e avisaram que eles morreriam se ficassem ali. Eles foram resgatados e saíram só com a roupa do corpo. “Duas vezes eu caí dentro da água, aí eles diziam: vó, não olha pra cima de onde vem a água, olha sempre pra frente”, lembra Cira e, segundo ela, o caminhão quase virou com a subida rápida das águas. A filha deles, que morava perto, também perdeu a casa. Foram morar um mês com uma das filhas na cidade.

A Prefeitura pagou meio ano de aluguel social, depois Nestor e Cira passaram a pagar por conta própria. Até gostam de morar na casa localizada na rua Benjamin Constant, mas é muito caro para eles. Juntando aluguel, água e luz, dá cerca de R$ 1 mil de gastos, o que afeta muito a saúde financeira do casal, já que ambos ganham um salário mínimo, mas têm muitos descontos de empréstimos e o que sobra soma menos de R$ 2 mil. Eles moram no local com o irmão de Cira, Darci Knak, 74, aposentado, e o filho André, que trabalha com serviços gerais no motel Lago Azul. O grupo, todavia, está na espera para se mudar. A família ganhou casinhas do Dunga: uma para Nestor, Cira e André; outras para Darci, Andréia e o sogro dela, Neronte.

CASINHAS DO DUNGA

A previsão é de Dunga vir para Candelária e entregar as chaves logo. Todavia, a família já foi avisada que não poderá entrar em casa quando receber as chaves. Eles só poderão habitar o local quando estiver tudo pronto. Nestor quer saber se vão poder construir um puxadinho atrás, pois a casa, na sua avaliação, é muito pequena, nem sabe se os atuais móveis, que ele e a esposa receberam de doações de diversas pessoas e entidades, caberão lá. “Tem que aceitar o que vem, eu não tenho dinheiro para construir. Lá em cima não dá pra construir mais”, conforma-se Nestor.

Eles estão com receio de que demore meses para que de fato possam se mudar. Cira se emociona e diz que vai cuidar do novo lar. O marido volta e meia vai para a Vila Passa Sete e ainda tem vontade de voltar para a casa de quase uma vida toda.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui