Prefeitura acata Ministério Público e anula processos seletivos

Executivo também retirou da Câmara projetos de lei que previam contratação dos aprovados nos certames

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Inquérito civil apura beneficiamento de candidatos a partir do vazamento de gabaritos antes da aplicação da prova. Foto: Matias Ramos/JC

A Prefeitura de Candelária já começou a tomar providências em relação ao caso de improbidade administrativa, referente a fraude e beneficiamento de candidatos nos processos seletivos 002/2019 e 004/2019, promovidos pelas secretarias de Assistência Social e de Saúde, investigado pelo Ministério Público (MP). Nessa segunda-feira (16), a Câmara de Vereadores recebeu correspondência do Executivo informando a retirada dos projetos de lei que tratavam da contratação dos classificados nas duas seleções.

A atitude faz parte do conjunto de recomendações feitas pelo promotor de Candelária, Martin Albino Jora, ao Município, na pessoa do prefeito Paulo Butzge. No documento, Jora também indica a anulação dos dois processos seletivos. Segundo o chefe do Executivo, já estão sendo tomadas providências para que isso aconteça, bem como para que haja a apuração dos fatos e penalização dos responsáveis pelas ilicitudes. O prazo dado pelo promotor para instauração de processo administrativo disciplinar é de 10 dias e se encerra nesta segunda-feira (23). O resultado deve ser informado ao MP.

O inquérito civil instaurado pelo promotor está investigando o Município de Candelária, representado por Butzge; uma servidora pública da secretaria de Assistência Social e Habitação; e duas candidatas ao cargo de psicóloga – uma delas contratada e em atividade na mesma secretaria. No texto encaminhado por Jora ao prefeito, ele ainda destacou que as irregularidades nos processos seletivos feriram princípios que regem a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. As provas encontradas em celulares, conforme o promotor, comprometeram a lisura e a isonomia das seleções. E, além disso, não houve fiscalização e controle por parte da Administração Municipal.

O INÍCIO
O ponto de partida da investigação do MP foi a representação dos vereadores Cristina Rohde (PSDB), Gésimo Daniel Bernardy (PDT), Marco Antônio Larger (Progressistas), Celso Gehres (Progressistas), Jaira Diehl (PSB), Lurdes Ellwanger (PTB), Ilceu Pohlmann (MDB) e Jorge Willian Feistler (PTB). Eles apresentaram um documento elaborado pela assessora jurídica da Câmara, Caroline Netto, no qual constavam as mais de dez denúncias recebidas pelos parlamentares.

As queixas apontavam favorecimento de amigos e familiares de servidores públicos com a divulgação do gabarito oficial antes da aplicação das provas. O MP comprovou ilegalidades, omissão fiscalizatória, fraude e beneficiamento de determinados candidatos. Os indícios dessa confirmação, que estão anexados no inquérito, são conversas, via celular, entre uma servidora, membro da comissão organizadora do processo seletivo, e uma candidata, na qual são informadas as respostas da prova. Em outro momento, a mesma servidora garante ter passado o mesmo gabarito a outra candidata.

Ministério Público vai seguir investigação

Aqueles que tiverem provas concretas e diferentes das já apresentadas sobre a fraude nos processos seletivos da Assistência Social e da Saúde podem levá-las até a Promotoria de Candelária. Conforme o promotor Martin Albino Jora, ainda existem muitas questões a serem esclarecidas. “Paira uma nuvem de suspeitas sobre todo o processo seletivo”, disse. Entre outras coisas, não está claro se algumas pessoas receberam o gabarito errado de maneira deliberada ou não e, também, se os beneficiados são somente os que já apareceram.

Jora pretende seguir com a investigação, inclusive utilizando o que for apurado nos processos administrativos disciplinares a serem instaurados em âmbito interno na Prefeitura. Isso deve acontecer após o recesso do judiciário, em fevereiro. Segundo o promotor, é necessário porque é uma situação que causa perplexidade, principalmente nos candidatos lesados. Até agora, o Ministério Público procedeu com interrogatório de pessoas envolvidas, análise de celulares e degravação por meio de ata notarial. “Se concluiu que há provas evidentes de irregularidades que comprometem a transparência, a lisura e a moralidade do concurso”, pontuou.

A investigação começou em 23 de outubro e seguiu em sigilo até a última sexta-feira (13). “Não divulgamos áudios, vídeos ou expusemos pessoas. O Ministério Público não tem nenhuma intenção de denegrir a imagem de alguém ou tirar proveito de qualquer situação”, afirmou.

CONSEQUÊNCIAS
Nenhum processo seletivo, independente da modalidade, está livre de fraude. Os simplificados, principalmente em cidades pequenas, como é o caso de Candelária, no entanto, são mais complicados, conforme Jora. Isso porque é comum que haja laços estreitos de parentesco ou amizade entre organizadores e candidatos. “Também há deficiência de fiscalização no âmbito interno, porque não existe uma comissão permanente para esses processos seletivos. São escolhidas pessoas aleatórias, com vínculo em cada área, seja Assistência, Saúde”, comentou.

Conforme o promotor, a partir do que for concluído no inquérito civil, as pessoas envolvidas nas ilegalidades vão estar sujeitas a responsabilização na seara penal – há uma pena específica para fraudes em concurso – e também referente à improbidade administrativa, que prevê perda da função pública, multa civil e até suspensão de direitos políticos. Em relação ao Executivo, se não fosse acatada a recomendação de anular os processos seletivos, o MP poderia entrar com uma ação civil pública ou uma liminar para que isso fosse cumprido. “O nosso propósito é garantir que todas as pessoas possam concorrer em um concurso transparente, com fiscalização, sem beneficiamentos, para que os melhores ingressem no serviço público”, finalizou.

Candidatos vão receber o dinheiro de volta

Apesar dos muitos comentários a respeito da fraude nos processos seletivos da Assistência Social e da Saúde, ainda há dúvidas sobre o desfecho dessa história. Depois do levantamento do sigilo do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público, no entanto, a Procuradoria Geral do Município emitiu um memorando enumerando alguns dos procedimentos a serem adotados pelo Executivo em relação, tanto aos envolvidos no vazamento de gabarito quanto aos candidatos lesados pela fraude.

Uma das medidas que mais se questionava, por exemplo, era em relação ao pagamento de inscrição feito pelos candidatos para participar dos processos seletivos. No memorando, o Executivo confirma a devolução dos valores. Contudo, ainda não há prazo para que isso aconteça. O ressarcimento será por meio de transferência eletrônica.

PROCESSO ADMINISTRATIVO
As servidoras – uma contratada e outra concursada – vão ser investigadas em âmbito interno da Prefeitura, conforme determina a legislação em cada um dos casos. A contratada deverá ter o contrato de trabalho rescindido. Já a servidora de carreira vai passar por um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), para apurar a responsabilidade dela, visto que está comprovadamente envolvida no vazamento dos gabaritos. Por enquanto, ela ainda não foi afastada das atividades, pois é necessário a conclusão do PAD para que isso aconteça.

“Eu não posso responder pela conduta pessoal de ninguém”

Além dos candelarienses que participaram dos processos seletivos, candidatos de Santa Maria, Cachoeira do Sul e outros municípios também responderam questões que tiveram o gabarito vazado. Com a notícia sobre a fraude, o nome de Candelária circulou por todo o Estado de maneira negativa. “Isso impacta negativamente, ainda que o erro tenha sido exclusivamente de um servidor do município. É o nosso nome que fica exposto”, analisou.

Butzge foi inquirido e, segundo o promotor Martin Albino Jora, nenhuma das investigadas citou o prefeito como cúmplice nas irregularidades. “Essa situação me deixou apreensivo, porque são cerca de 650 servidores que compõem o Executivo. Eu sou um só e não posso responder pela conduta pessoal de ninguém”, desabafou. Para Butzge, todas as pessoas são honestas e confiáveis até que se prove o contrário. “Eu acredito que tenha sido uma ação pessoal, que diz respeito à índole da servidora. Definitivamente, não foi uma determinação do Executivo”, afirmou.

SAÚDE

Diferente do processo seletivo da Assistência Social, no certame da Saúde não se soube de vazamento de gabaritos. O que aconteceu foi o suposto beneficiamento de um candidato, servidor de carreira, que integrou a comissão organizadora do processo seletivo. Durante a formalização das provas, no entanto, ele solicitou afastamento do encargo e se inscreveu para disputar uma vaga na função de técnico de enfermagem do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Ele ficou em segundo lugar no certame.

Para o promotor de Candelária, Martin Albino Jora, essa postura colocou em dúvida a lisura, a transparência e a isonomia dos concorrentes, comprometendo a moralidade do processo seletivo, assim como o princípio da eficiência, tendo em vista que a razão do concurso é a seleção dos mais capacitados.

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