Era uma casa grande, de paredes verdes, amarelas e brancas, janelas de madeira clara, ora pintadas de marrom, e grades vermelhas. Pisava-se em “parquet”, exceto no banheiro, que tinha azulejos brancos e ondulados na parede e lajotas amarelas no chão. Havia, inclusive, um “Bidê” (que muitos não conhecem, mas é semelhante ao vaso sanitário e serve(ia) para lavagem das partes íntimas, por exemplo). Lembro que sempre tive curiosidade o funcionamento do curioso objeto, embora nunca tenha perguntado.
Na sala, inicialmente um sofá-cama vermelho, e depois um conjunto de sofás azuis e cadeira de balanço, recebiam as visitas. A grande estante estava tomada de retratos, esculturas, vasos e outros elementos decorativos. Sua imponência não a deixava passar despercebida. Lá nos primeiros anos deste século, sob o rack, estava plenamente ajeitada uma televisão Philco – Hitachi, na cor cinza, de 14 polegadas, dos anos 1990. Eram tempos sem acesso à antena parabólica. Apenas os canais abertos marcavam presença, quando as condições climáticas e as pombas permitiam.
Ao lado, ficava uma ativa máquina de costura durante certo tempo, que prestou inúmeros bons serviços. Quantas roupas utilizei por causa daquela máquina! Lembro-me do seu barulho como se ao lado agora estivesse. Posteriormente, deu lugar à uma mesinha e um telefone preto, daqueles com o fio “encaracolado”. Nas paredes, pinturas representativas de animais e paisagens demonstravam que a dona da casa tinha certo apreço artístico. Um quadro marrom e cinza da Santa Ceia chamava atenção por ser antigo e trabalhado com extrema delicadeza. Trazia um charme sútil ao ambiente.
Os aposentos dispunham de notável aconchego, com camas grandes, altos e espaçosos guarda – roupas, cômodas, criados-mudos e poltronas. Todos móveis do passado, porém muito bem conservados. Exalavam o perfume da travessia de gerações. Em um deles, havia um rádio – relógio, com a cara da década de 1980 – sempre sintonizado numa rádio da cidade, embora essa função pouco fosse utilizada. Várias vezes mexi nele e desregulei a hora. Eram travessuras infantis, rapidamente perdoadas.
Na porta do toalete, sempre havia dizeres bem-humorados ‘’alertando’’ sobre a utilização adequada daquele cômodo. Ao adentrar, sentia-se por vezes o cheiro característico do Pinho Sol, outrora o suave perfume de flores que a dona da casa usava.
Já na cozinha, predominavam as boas conversas sobre os mais variados assuntos, com o uso de um vocabulário muito peculiar. Era o paraíso da perdição gastronômica. Texturas, aromas e sabores que fincaram suas marcas na memória , tamanha o carinho com o qual eram preparados. Uma relevância de valor inestimável.
Aos fundos, havia um galinheiro, sempre cheio. A morte de uma ave sempre era motivo de muita lamentação para quem as criava. Várias vezes entrava para buscar os ovos e saía correndo para não ser atacado pelo galo mau encarado e dono do pedaço.
Por anos, existiu uma gaiola tomada por caturritas. Os nascimentos e falecimentos de cada animal eram registrados em cadernetas, bem como seus “nomes de batismo”. O Garibaldo, homenagem à ave homônima do programa Vila Sésamo, foi o mais icônico. E até possuía uma semelhança com o personagem. Um pequeno quadro escolar era guardado no galpão. Nele, passei inúmeras horas desenhando, escrevendo, deixando fluir a imaginação. Mas apenas por pura recreação.
As cadelas Kika, Piruleta, Paloma e Bolinha viveram em gerações diferentes, mas de suas maneiras, cada uma proporcionou momentos de pura alegria e descontração. Convivi com todas elas, assim como com cada detalhe escrito nessa crônica de um ser saudosista. Esse límpido, encantador e acolhedor universo fez parte de quase 18 anos do autor desse texto. Nele, reinava absoluta ela, a segunda mãe, uma verdadeira protetora, minha avó Clair. Sem dúvidas, um dos maiores exemplos de amor e generosidade deste jornalista.
Em 06 de julho de 2012, ela encerrou sua gloriosa missão neste mundo. Partiu para os jardins celestes. Porém, as lições transmitidas não só permaneceram como são repassadas sempre que possível. É claro que a saudade é um componente que ajuda a escrever esse texto e até é capaz de gerar um derramamento de lágrimas. Mas isso passa. A casa continua lá, no mesmo lugar. Com novos moradores, mudanças na fachada e possivelmente no interior. Porém, os saltos violentos e implacáveis do tempo não serão capazes de apagar o que se trata do brilho eterno de um lugar feliz.
Até semana que vem, querido leitor!